Ensaio Geral
"El ensayo es una ciencia sin prueba explícita"
- José Ortega y Gasset -
Achei por aí uma frase ingeniosa endosada a Charles Chaplin: A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Na contramão, vai esta outra frase pronunciada por Hipólito, personagem do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain: A vida é apenas um ensaio interminável de um espetáculo que nunca vai ser representado. Parecem definições contraditórias. Eu prefiro vê-las como as duas caras de uma mesma moeda.
Nenhum movimento sai, espontaneamente, do nada. Antes houve outras experiências que nos depositaram depois nesse presente. Quer dizer, nossa atuação de hoje foi, de alguma maneira, ensaiada num jogo prévio. E como aquilo que estamos encenando hoje será o ensaio da peça de amanhã, podemos afirmar, sim, que tudo é mesmo um ensaio, seguido, infinitamente, de outros ensaios nos quais vamos ensaiando detalhes novos.
Assim, poderíamos dizer que a vida é uma peça de teatro atuada como obra final e, ao mesmo tempo, o ensaio da próxima obra, da próxima experiência de vida. Não apenas em nossa vida nem na vida neste planeta, mas no Universo inteiro é que tudo está em permanente expansão e aperfeiçoamento. As galaxias, as estrelas, os planetas, assim como outras entidades tão diminutas quanto nós, experimentamos um existir que jamais se repete, mesmo que na aparência mais tediosa do cotidiano pareça que sim.
Heráclito falou: Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.
Tem sido assim desde sempre, porém nesse tempo, nesse planeta, esse movimento acelerou dramaticamente. Os velhos tempos chegaram a seu fim. Estamos vivenciando uma era sem precedentes, cheia de novidades, de fatos inéditos, de atitudes, condutas, comportamentos que a gente nunca viu. As regras, os códigos, os mapas, parecem ter mudado radicalmente e a humanidade está sendo sacolejada em seus podres alicerces enquanto suas destrambelhadas estruturas de crenças vão virando pó.
Cada dia somos jogados numa dança frenética de novos paradigmas, esquisitos paradoxos e perturbadores interrogantes sobre algum assunto novo em folha. Cada jornada temos que ensaiar novas respostas. E tudo vai virando num ensaio global e permanente.
O mais contundente exemplo disso foi a pandemia do coronavírus. Quando a novidade apareceu, ninguém sabia direto o que estava acontecendo. O desconcerto foi total e as respostas foram surgindo só quando aceitamos que não tínhamos tudo sabido nem resolvido e nos dispomos a escutar as perguntas novas. Um fato similar é essa hedionda guerra da Ucrânia que ameaça com nos jogar na fogueira de um conflito nuclear quando achávamos que tal brutal ameaça tinha sido neutralizada para sempre. E agora?
Acontece que caducaram todas as certezas que nos trouxeram até aqui. Nessa hora, prevista apenas nas profecias que aos poucos vão se revelando, temos que interpelar uma realidade jamais imaginada onde tudo foi colocado em crise, o tabuleiro foi chutado e as peças do quebra-cabeça foram jogadas pro ar.
Não adianta tentar interpretar a realidade na base dos antigos conceitos, pois eles não se encaixam mais com os fatos. Logo, pensar e escrever sem referências se torna um desafio. Agora seremos guiados mais pela intuição do porvir que pela conceitualização dos fatos pretéritos e comprovados. E mesmo sem provas, tentaremos ensaiar novos roteiros, pois obrigados somos a continuar a caminhada.
Nesse momento de transição, onde o que foi já não é, porém, o que virá ainda não chegou, deveremos aceitar aquilo que tanto custa aceitar a alma humana: a total incerteza.
Mas a inquietação pode ser convertida em alívio se decidimos abrir mão do velho, soltar tudo o conhecido e nos entregar ao fluxo infinito e abundante do maravilhoso rio da vida. Navegaremos sem mapas, sim, mas guiados pelas estrelas e orientados pela única bússola revelada infalível: o amor. Ensaiando nossa música pessoal em meio às dissonâncias inevitáveis do ensurdecedor ensaio geral.✤
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